Rio, cidade olímpica

Ao receber a encomenda* para escrever uma crônica sobre as Olimpíadas, pensei logo em listar os transtornos causados pelas obras. Vislumbrei meu trajeto diário entre o metrô da Uruguaiana até a esquina da Rio Branco em que trabalho. Barulho, poeira, passagens obstruídas e assim por diante. Fora os camelôs estrategicamente estacionados em cada pedaço de calçada. Não, eles não estão lá por causa das Olimpíadas, mas sua onipresença em qualquer época do ano enlouquece qualquer transeunte no Centro.
Desisti dessa ideia ao lembrar minha revolta por causa das obras superfaturadas, da falta de verba para a educação e para saúde, do dinheirão desviado para que a cidade receba os turistas etc. Espero que haja o tal legado para a cidade.
O ponteiro do humorzômetro foi quase ao máximo do lado mau e, caso prosseguisse com um dos temas, obras ou desvio de verba, o texto teria o tom pesado de um desabafo irritado.
Entretanto, boa aluna que sou (e modesta), anotei muita coisa dita pelo professor na Oficina de Crônica e optei por utilizar duas das características recorrentes nesse gênero que tanto gosto: a ironia e a “flanagem” (amei essa palavra).
Então, fiz um esforço olímpico para virar o ponteiro para o lado bom da situação e fui flanar pela Praça Mauá. Lugar outrora decadente e caótico, agora está completamente revitalizado e belo, preciso admitir. Avistar a Ponte Rio-Niterói com o mar embelezando tudo ao seu redor é um deleite. Há também o Museu do Amanhã, obra arquitetônica incrível e diferente de tudo que já vi (leia-se horroroso, híbrido de escorpião com caranguejo. Ai, não vira o ponteiro!)
Sorri ao ver os bancos modernosos da Praça porque têm estilo (e porque logo vão quebrar com o peso dos moradores de rua que dormirão lá. Sai, pensamento negativo!). Surpreendi-me com os trilhos do VLT cujo trecho que corta a Praça está inteiramente pronto (e ri ao lembrar que não haverá cobrador dentro dos trens e que contam com a boa educação do povo. Hum, acho que não conseguirei manter o ponteiro no bom humor por muito tempo).
Após flanar mais um pouco, finalmente fui fazer a foto protocolar em frente às letras que compõe o termo cidade olímpica. Pedi ao amigo que me acompanhava na aventura na hora do almoço para bater a foto. Passados alguns longos minutos debaixo do sol ouvindo “vai mais para lá”, “não, não, vem para a esquerda”, “isso, aí tá bom”, ele bateu a foto.
Agradeci meio irritada com a demora ao passo que ele, às gargalhadas, mostrou-me na tela do celular o motivo da demora: “é que se você ficasse tampando as quatro primeiras letras da palavra olímpica, apareceriam só as quatro últimas”. Na hora sorri-lhe sem graça (e sem entender a piada) e voltamos apressados para a repartição.
Depois de algum tempo vendo a foto consegui entender o motivo das gargalhadas dele e desde então não parei de rir.

*Texto originalmente criado para a Oficina da Crônica, curso do Estação das Letras ministrado pelo jornalista Arthur Dapieve, com o simpático comentário dele: "Muito hábil a 'costura' que você fez entre a encomenda da Oficina e as oscilações do seu 'humorzômetro'. O final, com a supressão das quatro primeiras letras da palavra olímpica, foi a cereja no bolo. Exercício muito bem aproveitado."

Comentários

  1. Excelente! Texto muito bem escrito, sob a crítica afinada e bem humorada do jornalismo. Senti-me envolvido pelo artigo pois há pouco mais de um ano, vivi este caos pré-olímpico, dando também uma flanadinha pelo mesmo trajeto entre Uruguaiana e Rio Branco. Parabéns Gisa!

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